AMOR DE VERÃO
um amor que nasce no verao é um sentimento que pode durar por toda a vida...
CAP. 1
Michael Jackson esperava encontrar um fantasma no lago, e não uma mulher nua.
De sua parte, preferia aquela visão. Entretanto sabia que devia desviar o olhar, mas não foi o que fez. Pelo contrário, focou-o em mim, enquanto deslizava pela água escura que se refletia o luar.
Mesmo à luz pálida e prateada, minha pele mostrava-se bronzeada e suave. Meus movimentos eram delicados, precisos. Os braços vigorosos me impulsionavam, levando-me de uma margem à outra do lago e de volta ao ponto de partida. Parte dele me via como uma invasora em solo sagrado... Mas outra sentia-se grato pela minha presença.
Enquanto me observava, dizia a si mesmo que eu não devia estar ali. Aquele lago, o rancho, tudo aquilo era muito íntimo para ele. Poucas pessoas freqüentavam aquele lugar, a não ser convidados ou a sua própria família. Então...
Michael fechou os olhos, respirou fundo e, lentamente, soltou o ar dos pulmões antes de abrir os olhos novamente. Eu já havia parado de nadar e movimentar pela água. Tinha percebido sua presença.
-Já viu o suficiente? – Perguntei.
-Depende - Respondeu Michael –Tem mais alguma coisa para me mostrar?
Abri a boca, mas fechei-a antes de pronunciaras palavras que, sabia, não podia dizer.
-Quem é você? –Indagou finalmente. Sua voz sugeria mais revolta do que preocupação.
-Posso devolver a pergunta.
-Essa é uma propriedade privada.
- Certamente. E é isso que me faz estranhar sua presença aqui.
-Eu moro aqui- Anunciei, empurrando para trás os cabelos castanhos claros e molhados.
-Michael precisou de alguns minutos para entender o significado do que acabara de ouvir.
-Disse... Que mora aqui? Mas esse é o rancho Neverland!
O rancho pertencia a ele desde que largou a vida enfadonha ao lado de seu pai, era o início de sua liberdade. Tinha inúmeros significados para ele.
Michael se intalara ali, onde criava diversos animais e recebia as pessoas mais queridas.
-Exatamente. - Eu disse. -O dono desse rancho está viajando, mas contratou-me para organizar o lugar para a sua chegada. E se souber que entrou aqui pode se tornar até... Violento.
Michael riu. Ele era o homem mais doce e brando que conhecia. Mas eu, a desconhecida, sem saber falava dele mesmo como se fosse um cachorro louco.
-Bem, ele não está aqui agora, está? Brincou Michael, aproveitando-se da minha inocência.
-Não.
-Então como somos só nós dois e estamos nos tornando grandes amigos... Poderia me dizer se tem o hábito de nadar nua?
-E você? Costuma espionar mulheres despidas?
-Sempre que posso.
O encarei com olhar severo. Depois me abaixei, o que fez Michael pensar que estava cansada de bater os pés na água para me manter à tona.
-Não fala como se tivesse alguma vergonha.
Michael sorriu, mas o sorriso não chegou a afetar meus olhos.
-Moça, se eu não aproveitasse uma oportunidade de ver uma mulher nua, então, sim, teria motivos para sentir vergonha.
-Sua mãe deve estar orgulhosa.
Ele riu. -Provavelmente não, mas o velho teria ficado.
Olhei em volta, e Michael sabia o que me incomodava. O vazio. Com exceção dos carvalhos em torno do lago, estávamos sozinhos.
Escute, já teve seu espetáculo. Está frio e eu estou cansada. Gostaria de sair daqui.
-E quem está impedindo?
-Não vou sair da água com você ai parado, me espionando!
Algo que podia ser culpa incomodou uma consciência que já estava atribulada demais. Mas ele ignorou o sentimento. Sim devia olhar em outra direção. Sabia disso. Mas um homem faminto recusaria um filé por saber que era roubado?
-Vire-se- Sugeri um momento depois. -Será o suficiente.
Michael sorriu.
-Se eu me virar, como poderei saber que não vai bater na minha cabeça com alguma coisa?
-Pareço estar carregando uma arma?
Ele encolheu os ombros:
-Cautela nunca é demais.
Assenti, deixei-me afundar até a água atingir meu queixo, e resmunguei:
-Perfeito. Eu estou sem roupa, e é você que se sente ameaçado.
O vento soprou de repente, agitando a superfície da água. Era como se estivéssemos cercados por dezenas de pessoas sussurrando seus segredos. Eu estremeci e afundei um pouco mais. A culpa voltou a se fazer presente na consciência de Michel.
Ele olhou para cima, para o céu estrelado, antes de encarar-me novamente.
-A noite é linda. Talvez acampe aqui hoje.
-Não faria isso.
-Não? –Divertindo-se com a situação, ele fingiu considerar a possibilidade.
-Talvez não. Mas a questão permanece. Vai sair do lago, ou prefere dormi aí, mexendo os pés para não se afogar?
-Vou sair. - Decidi furiosa, batendo com uma das mãos na água.
-Mal posso esperar.
-Talvez não saiba, mas é um canalha.
-Já ouvi isso antes.
-Surpreendente!
-Ainda está na água. – Michael pôs as mãos nos bolsos traseiros do jeans. – Deve estar com muito frio.
-Sim, mas...
-Já disse que não vou sair daqui.
Olhei em volta mais uma vez, como se procurasse ver uma cavalaria correndo em meu socorro.
-Como posso saber que não vai me atacar assim que eu sair do lago? –Perguntei apreensiva.
-Eu poderia dar minha palavra, mas, como você não me conhece, ela não teria valor.
O estudei por um instante, despertando nele a sombria sensação de que podia enxergar mais do seu rosto escondido embaixo do moletom, e acabar com a sua brincadeira. Porém depois de mais um instante, eu disse:
-Se me der sua palavra acreditarei em você.
Michael retirou uma das mãos do bolso e massageou a nuca, franzindo a testa. Uma bela invasora nua confiava nele. Ótimo.
-Muito bem. Você tem minha palavra.
Assenti, mas ainda levou um ou dois minutos para começar a me mover em direção da margem. Algo dentro dele ganhou vida. Antecipação? Excitação? Há muito tempo não experimentava uma ou outra, razão pela qual não tinha certeza. Mas o momento passou tão depressa, que ele não conseguiu explorá-lo ou aproveitá-lo como queria.
O luar cintilou sobre minha pele molhada e dourada, enquanto eu saía da água e subia pela pequena encosta até onde estavam minhas roupas em uma pilha organizada. Ele me observou e sentiu uma necessidade quente e pulsante, um impulso forte o bastante para chocá-lo.
Eu era esguia, não muito alta, 1,68 mais ou menos, com seios pequenos e firmes, quadril estreito e tinha marcas de sol, que sugeria que nadar nua não fazia parte de meus hábitos. Devia se sentir grato por testemunhar ocasião tão rara. Aquelas marcas de bronzeado tornavam minha pele ainda mais excitante. Minúsculas porções de pele pálida contra o marrom do bronze tentavam um homem a definir os limites daquelas linhas.
O desejo o inundava como uma onda gigantesca.
Eu estava mágica ao luar, e só com grande esforço Michael sufocou o ímpeto de tomar-me nos braços. Era como ver uma sereia sair do mar, uma visão fugaz, mas tentadora.
-Você é impressionante.
Eu hesitei, mas ergui o queixo e mantive altiva, orgulhosa, sem constrangimento ou insegurança. Michael sabia que devia se sentir culpado por estar espionando, tirando proveito da situação.
Mas não sentia nenhuma culpa.
Em segundos, vesti a camiseta e a saia de algodão, que me cobriu até a altura dos joelhos. Depois abaixando-me calcei as sandálias.
Maldição. Precisava desculpar-se e revela quem era de fato.
-Escute- Ele disse de repente- Eu sinto muito se a incomodei, mas sua presença me surpreendeu e...
Eu o atingi com um soco no estômago.
Não doeu muito, mas, como estava despreparado, Michael ficou sem ar.
-Eu o surpreendi? - Juntei os cabelos e os torci para remover o excesso de água, jogando-os para trás em seguida.
Impressionante. Eu o chamei de impressionante. Não podia negar que senti algo quente e delicioso quando o vi ali parado, observando-me. Tinha sido como se pudesse experimentar o seu toque, não apenas o olhar. E, por um breve momento, desejei ser tocada por ele. Sentir as mãos desse homem sobre a minha pele molhada.
O que só me deixou ainda mais furiosa. Eu o encarei com desdém e depois ergui o queixo, então... Finalmente o reconheci.
-Seu miserável aproveitador, oportunista e... - Odiava ficar sem adjetivos antes de concluir a frase.
Respirando fundo, ergui os ombros e recolhi os fragmentos do meu próprio orgulho. Quase sofri um ataque cardíaco ao vê-lo em pé na margem do lago espionando minha nudez. Mas o medo inicial foi substituído pela raiva de ter sido enganada.
Vivia sozinha a tempo suficiente para ter desenvolvido uma espécie de radar que me informava quando corria perigo. E nenhum alarme interno disparava, apesar de ele não ter sido cavalheiro o bastante para deixar-me sozinha ou, pelo menos, virar de costas.
Agora sabia que não era estranho, nem tão pouco perigoso.
Não fisicamente.
Emocionalmente... Bem essa é uma outra história. Ele era alto, magro e muito atraente, o que já era preocupante, e ainda havia aquele brilho singular em seus olhos. Não só o fogo do desejo, que notei desde o início, mas a influência oculta de uma intensa tristeza, de um grande vazio. Me sentia sempre atraída pelos homens tristes. Com olhos tristes e corações solitários.
Mas depois de ter partido o próprio coração algumas vezes, decidi que em alguns casos, existem boas razões para que eles estejam sozinhos. Agora tudo o que eu tinha a fazer era me lembrar disso.
Continuei firme, encarando o homem que invadiu o meu mergulho noturno. Há alguns anos talvez tivesse corrido assustada, tentando desaparecer. Mas não hoje. Há alguns dias tudo mudara para mim. Encontrei um lar. Meu lugar agora era o rancho Neverland, e ninguém, nem mesmo este incidente, iria afugentar-me dali.
-Tem um golpe de direita invejável
-Vai sobreviver.
Passei por ele, caminhando em direção às árvores que marcavam o início da trilha que me levariam de volta à casa do rancho.
Ele me deteve, segurando meu braço. O contato provocou um arrepio. O sangue se tornou mais quente em minhas veias. Me liberei com um movimento brusco e recuei um passo, optando pela precaução.
-Ei, ei... – Michael ergueu as mãos em um gesto debochado de rendição. –Relaxe! Não vou fazer nada.
A descarga de adrenalina provocada pelo contato já se dissipava quando respondi:
-Não... Me toque. Se vai mesmo precisar dos meus serviços, é bom que fique bem longe.
- Tudo bem, não vai acontecer novamente.
Respirei fundo e tentei me acalmar. Não havia sido apenas a surpresa da mão em meu braço... O que me perturbou foi o calor provocado pelo contato, a rapidez com que essa onda se espalhou por meu corpo. Jamais havia sentido algo parecido, e não podia apreciar essa sensação. Ele era meu patrão. Melhor me afastar desse homem. E depressa.
CAP 2
Tudo desapareceu. Restava apenas uma onda de raiva que ameaçava sufocar-me. Sabia sim que Michael Jackson chagaria em um ou dois dias, mas não esperava que pudesse ir espionar-me em um momento de privacidade.
-Se eu soubesse quem é teria batido com mais força- Disparei.
- Nesse caso foi sorte não ter me apresentado antes.
-Então voltou para cuidar do bom e doce velhinho?
-Bom e doce velhinho? A garganta ecoou entre as árvores. –Joe é um maluco de coração duro e modos detestáveis!
-Ele parece doce. É generoso. E é solitário. A família não se dar ao trabalho de vir vê-lo. E você parece ter sentido um pouco de vergonha, e mandou que o trouxessem para cá, mas está sempre ausente. Voltou apenas certificar-se que está bem, seria um peso na consciência se morresse aqui sozinho, não é mesmo?- Disse com uma nova onda de fúria invadindo-me, e eu o encarei.
-Afinal quem pensa que é? Não conhece minha família, meu passado e nem... Joe?!
-Sou Cris Rayan- Apresentei-me -Sua nova governanta.
-Bem, Cris Rayan, o fato de ter vindo cuidar da casa não significa que sabe tudo.
-E não sei mesmo! Apenas vi apenas um homem sozinho, quando cheguei aqui a quinze dias. Sei também que teve que contar com uma estranha para desfrutar de alguma companhia.
Michael passou uma das mãos pelos longos cabelos negros, desviou os olhos e contou lentamente até dez. Quando encarou-me novamente, a raiva já havia passado. Seus olhos eram escuros e sombrios.
-Você tem razão.
Eu não esperava este tipo de atitude, e por isso levei um tempo para reagir. Inclinando a cabeça para um lado, eu o estudei.
-Só isso? Eu tenho razão?
- Até certo ponto- Michael admitiu em voz baixa, como se, assim, pudesse envolver-nos em uma espécie de retiro insular. –É... Complicado- Disse finalmente.
E pensar que cheguei a me surpreender, a sentir uma modesta dose de compaixão pela versão que o sujeito poderia ter dos fatos. Desapontada, balancei a cabeça.
-Não, não é. Ele é seu pai e o ama. Mas você o ignora.
-Você não entende.
-Tem razão.
Cruzei os braços sobre o peito, e batendo com um dos pés no chão, esperei. Percebi que a situação o deixava vulnerável, queria me vingar.
Os olhos de Michael ficaram mais estreitos, desconfiados.
-Não tenho que lhe dar explicações, Cris Rayan, portanto não perca tempo esperando por elas.
Não, ele não tinha mesmo que se explicar. Ele era o patrão, poderia me despedir a qualquer momento. Mas, de repente precisava entendê-lo. Era incapaz de compreender como alguém com um lar, uma família, podia ignorá-los deliberadamente.
-Certo reconheço que não me deve nada, mas, certamente, tem algumas dívidas com o seu pai.
A ruga na testa de Michael ia tornando-se mais funda.
-Estou aqui não estou?
-Finalmente. Já esteve com ele?
-Não- Michael admitiu, enfiando as mãos nos bolsos e olhando para o lago. -Ainda não. Antes tive que vir aqui e ver o que estava acontecendo. Percebi o movimento, então...
E assim, sem motivo aparente, meu coração ficou apertado. Não sabia o que via ao olhar tão triste para o lago. Não sabia no que estava pensando. Não sabia de fato o que o atormentava. O que o separou de seu pai.
-Desculpe- Pedi, desejando poder tirar pelo menos algumas das palavras ríspidas que disse- Sei que algo deve ter acontecido para que o trate assim, mas...
Ele me silenciou com o olhar.
- Não sabe- respondeu secamente. –Não pode saber. Escute, porque não volta para casa e diz para meu pai que logo estarei lá?
Michael caminhou para a margem do lago e ficou ali parado, olhando a superfície pláscida e escura. Sua dor era palpável, nítida, e eu me retrai. Não queria sentir pena dele. Não queria dar a esse homem o benefício da dúvida. Mesmo que tivesse boas razões para evitar Joe, essas mesmas razões não justificavam a maneira como ele evitava o homem que tanto o amava.
A piedade se dissipou e eu o deixei ali sozinho na escuridão.
Joe só teve tempo de esconder sob cobertor o sangrento conto de terror que lia, antes de eu abrir a porta depois de uma leve batida. Ver a menina que passara a considerar como uma filha, o fez sorrir por dentro. Meus cabelos estavam molhados, desenhando uma mancha escura na camiseta. A saia rodada e longa estava amarrotada e suja, cheia de folhas, de grama e terra, e a sandália rangia por conta da água acumulada no couro.
-Esteve no lago novamente, não é?- Joe perguntou.
Aproximei-me da cama e ajeitei o cobertor que o mantinham aquecido.
Sorri, mas não consegui disfarçar aquela estranha sombra em meu olhar.
-O que aconteceu, Cris? Não se sente bem?
-Estou muito bem- Respondi, pegando uma jarra vazia sobre o criado-mudo e levei-a para o banheiro da suíte para enchê-la com água fresca.- Conheci seu filho. Só isso. - Revelei, voltando ao quarto com a jarra em uma das mãos.
Joe sentiu o coração bater mais depressa, mas lembrou-se em tempo de que agora era um homem às portas da morte.
- Michael! Ah... -Ele sorriu. –Bem, onde está ele? Não voltou para casa com você?
Troquei a luz do abajur pela luminária noturna. Imediatamente o quarto mergulhou em uma relaxante penumbra que convidava ao descanso.
-Ele disse que queria ficar no lago por algum tempo.
Joe sentiu uma pontada de dor no coração e soube que esta era apenas uma sombra da dor que seu filho devia estar enfrentando no momento. Mas, maldição, depois de tanto tempo já era hora dos irmãos Jackson enterrarem o passado e retomarem suas vidas longe desses fantasmas. E se tinha de mentir para conseguir hospedar-se no rancho Neverland, para forçar uma aproximação, bem, não se envergonhava disso. Era uma mentira justificada por excelentes motivos.
-Como ele está?
Arrumei o travesseiro, depois ergui o corpo, pus as mãos na cintura e respondi com ar pensativo:
-Sozinho. Francamente, ele tem um ar... Acho que nunca conheci homem mais solitário.
-Entendo. Suspirando, Joe se ajeitou sobre o travesseiro. Devia se sentir culpado por ter enganado o filho, e assim tê-lo atraído, fazendo-o cancelar uma turnê importante. Mas não sentia culpa. Se um velho não tinha o direito de ser ardiloso, então, de que servia a velhice?
-Não vai ser fácil. Com nenhum deles. Mas são homens fortes, cheios de recursos. Vão superar tudo isso.
Terminei de arrumar o cobertor e, satisfeita, beijei a testa de Joe.
-Não é com eles que me preocupo- Disse.
-Você é uma boa menina, Cris. Mas não precisa se preocupar. Vou ficar bem.
Michael entrou na casa sem fazer barulho, esperando que o “guarda-costas” do velho Joe saltasse da sombra, rosnando e mostrando os dentes. Porém, ao constatar que não havia nenhum sinal de minha presença, ele se rendeu ao inevitável e olhou em volta, estudando o lugar que adorava.
Duas lâmpadas estavam acesas, espalhando uma luminosidade pálida pela sala que ele seria capaz de percorrer com os olhos vendados. Nada mudara, desde que esteve fora há oito meses. Piso de tábua de carvalho, tapetes por toda parte, poltronas de couro arranjadas em um quadrado perfeito em torno de uma mesa baixa, onde havia um vaso com rosas amarelas. O velho piano, objeto de ciúmes, continuava lá no canto da sala, intocável.
Devia ser obra do guarda-costas, ele pensou, sabendo que Joe jamais colheria flores frescas para enfeitar a casa. O meu rosto surgiu em sua mente, mas desapareceu assim que ele olhou em volta mais uma vez.
Uma lareira alta e larga o bastante para acomodar um homem em pé e dominava uma das paredes, e o fogo ainda ardia alaranjado atrás de uma grade de ferro. As paredes eram adornadas por fotos de família e paisagens pintadas por mãos talentosas.
Michael relutava para encontrar Joe e seus fantasmas. Precisava engolir o sofrimento em pequenos goles para não sufocar. Mas havia decidido ajudar o pai, que estava doente e não tinha mais ninguém nessa vida.
Deixando a mala logo além da porta da entrada, Michael caminhou para a escada no outro extremo da sala. Cada degrau era uma tora de madeira cerrada ao meio e polida até atingir um brilho impecável. Os corrimãos lembravam troncos de árvores petrificados, e suas mãos deslizavam pela superfície fria enquanto ele subia para o andar onde ficavam os quartos.
Os passos ecoavam as batidas lentas do seu coração, cada movimento o levava para mais perto das lembranças que não queria encontrar. Mas não havia possibilidade de volta. Não podia mais evitar o confronto.
No alto da escada, ele parou e olhou para o corredor. Tudo o que via era uma sequência de portas fechadas, mas conhecia os espaços atrás daquelas portas, tanto quanto reconhecia o próprio reflexo no espelho.
Ele vivia ali, cada vez que tinha folgas do trabalho, aproveitava cada lugar, cada canto, aquele era o seu lar. Muitas vezes, subia e descia a escada correndo e gritando com seus poucos amigos, como crianças aproveitando a infância que não tivera, tudo por causa de...
Michael baniu da mente as recordações como teria afastado um mosquito de seus olhos e seguiu para a porta mais próxima da escada. O quarto onde estava hospedado Joe, o homem que havia roubado sua infância, estava ali, vulnerável, e agora em suas mãos. Totalmente dependente.
Uma onda de vergonha o assaltou e ele pensou que eu ficaria muito orgulhosa se soubesse disso. Sobre uma coisa eu estava certa: Não podia ter passado tanto tempo longe do velho. Devia ter encontrado uma solução, um meio de conversar, perdoá-lo, apesar do sofrimento que causou.
Mas não foi o que fez.
Em vez disso, o puniu por todo esse tempo.
Ele bateu na porta e esperou.
-Michael?
A voz estava mais fraca do que imaginava, mas ainda era familiar. Aparentemente a dublê de governanta e guarda-costas já o informara de sua chegada. Michael abriu a porta e sentiu o coração acelerar. Ainda sentia medo.
Joe Jackson. O homem mais forte que conhecera, agora parecia um... Velho. Boa parte de seus cabelos já havia caído, e a cabeça bronzeada brilhava à luz pálida da luminária, ou de um halo de fios finos e grisalhos que ainda a emodulrava. As linhas que sempre definiram o rosto determinado eram mais profundas agora, transformando os traços. Ele parecia pequeno na cama larga, aquecido por um dos cobertores que sua ex-mulher, Kate, fizera décadas atrás.
O pesar era como um golpe físico castigando seu peito. Muito tempo havia passado. E nesse momento chocante do reencontro, ele lamentou todos os anos que ficara afastado do homem, que apesar de tudo, ele amava. Por alguma razão, não esperava que Joe pudesse estar diferente. Apesar do telefonema que recebeu do médico anunciando que seu pai não tinha muito tempo de vida, Michael imaginava encontrar ali o homem tal como o deixara em sua mansão em Las Vegas, há cinco anos.
-Olá- Ele o cumprimentou com um sorriso forçado.
-Entre, entre- Joe o convidou, acenando com uma evidente fraqueza. Em seguida bateu na beirada da cama. – Sente-se, rapaz. Deixe-me olhar para você.
Michael aceitou o convite e, mais próximo, aproveitou para examinar rapidamente a aparência geral do pai. Estava mais magro, sem dúvida, mas o olhar era claro e atento. O bronzeado já não tinha o viço de antes, mas não apresentava aquela palidez impressionante típica dos enfermos. Suas mãos eram magras, retorcidas, mas não tremiam.
-Como se sente?- Michael perguntou, tocando a testa marcada por numerosas rugas.
Joe empurrou a mão dele.
-Bem. Estou bem. E já tenho um médico para me interrogar, cutucar e importunar. Não preciso do meu filho fazendo a mesma coisa.
-Desculpe.
Michael apenas queria verificar pessoalmente em que estado se encontrava o pai.
Mas aparentemente, não seria fácil. - Falei com o dr. Evans depois da nossa conversa no mês passado. Ele diz que o seu coração está em má forma.
Joe fez uma careta de desdém.
-Médicos... Não dê muita atenção ao que dizem.
Michael sorriu.
Ele então levantou-se e colocou as mãos no bolso, não queria que o velho visse no encontro um significado maior do que ele realmente possuía. Receava que mesmo depois de recuperado ele pedisse para ficar no rancho, e que contasse com uma resposta afirmativa. E Michael não podia dizer sim. Não queria que ele ficasse.
Mas seu pai não notava o desconforto que causava, ou não se incomodava com isso. Continuava falando e, com cada palavra, alimentava a culpa que o atormentava.
-Pai você não veio para ficar - Michael anunciou sem rodeios. Não queria magoar o pai, mas também não podia alimentar falsas esperanças.
A culpa cresceu um pouco mais quando ele viu o brilho se apagar dos olhos do velho. - Você veio para passar o verão, até que se recupere- Prosseguiu tentando ajudá-lo a entender como havia sido difícil largar os shows para passar essa temporada com ele. - Mas quando o outono chegar preciso trabalhar e você precisa ir embora.
- Pensei... Joe deixou a cabeça cair sobre o travesseiro. - Pensei que pudéssemos ser amigos.
A dor o incomodava como ondas sucessivas que, lentamente, iam preenchendo todos os espaços. Se as coisas tivessem sido diferentes, faria tudo para que ele vivesse ali, ou melhor, nunca teria largado a casa de seus pais, mas precisava se libertar de alguma forma, ser independente.
-Sinto muito - Disse, consciente de que não era o bastante para Joe, mas que era tudo que ele tinha a oferecer.
O velho o encarou por algum tempo antes de fechar os olhos e emitir um suspiro cansado.
-O verão é longo, meu rapaz. Muita coisa pode acontecer.
-Não faça planos para mim Joe, como sempre fizera a vida inteira- Michael o preveniu, mesmo lamentando causar mais dor ao velho. –Não vai ficar. Não pode. E você sabe o porque.
-Sei o motivo de pensar assim. E sei que está errado. Todos vocês estão. Tudo que fiz foi para que vocês encontrassem seus caminhos. E um homem precisa encontrar o seu - Ele se ajeitou sob o cobertor.
- Estou cansado, Michael. Por que não vem me ver amanhã? Então conversaremos mais.
-Joe...
-Vá, por favor. Estarei bem aqui amanhã.
-Quando o pai fechou os olhos, encerrando efetivamente a conversa, Michael não teve escolha. Saiu sem fazer barulho. Estava na casa a menos de quinze minutos e já havia perturbado um homem idoso e com um coração enfermo.
Maravilha!
Mas não podia deixar seu pai contar com uma permanência definitiva. Não era certo fazer a Joe promessa de um futuro, se o passado era tão intenso que o impedia de viver o presente.
Habituara-se a conviver com as lembranças que o atormentavam. Mas nunca seria capaz de viver com Joe novamente... Com o homem que o fazia ver um fantasma em cada canto.
continuaaa....
um amor que nasce no verao é um sentimento que pode durar por toda a vida...
CAP. 1
Michael Jackson esperava encontrar um fantasma no lago, e não uma mulher nua.
De sua parte, preferia aquela visão. Entretanto sabia que devia desviar o olhar, mas não foi o que fez. Pelo contrário, focou-o em mim, enquanto deslizava pela água escura que se refletia o luar.
Mesmo à luz pálida e prateada, minha pele mostrava-se bronzeada e suave. Meus movimentos eram delicados, precisos. Os braços vigorosos me impulsionavam, levando-me de uma margem à outra do lago e de volta ao ponto de partida. Parte dele me via como uma invasora em solo sagrado... Mas outra sentia-se grato pela minha presença.
Enquanto me observava, dizia a si mesmo que eu não devia estar ali. Aquele lago, o rancho, tudo aquilo era muito íntimo para ele. Poucas pessoas freqüentavam aquele lugar, a não ser convidados ou a sua própria família. Então...
Michael fechou os olhos, respirou fundo e, lentamente, soltou o ar dos pulmões antes de abrir os olhos novamente. Eu já havia parado de nadar e movimentar pela água. Tinha percebido sua presença.
-Já viu o suficiente? – Perguntei.
-Depende - Respondeu Michael –Tem mais alguma coisa para me mostrar?
Abri a boca, mas fechei-a antes de pronunciaras palavras que, sabia, não podia dizer.
-Quem é você? –Indagou finalmente. Sua voz sugeria mais revolta do que preocupação.
-Posso devolver a pergunta.
-Essa é uma propriedade privada.
- Certamente. E é isso que me faz estranhar sua presença aqui.
-Eu moro aqui- Anunciei, empurrando para trás os cabelos castanhos claros e molhados.
-Michael precisou de alguns minutos para entender o significado do que acabara de ouvir.
-Disse... Que mora aqui? Mas esse é o rancho Neverland!
O rancho pertencia a ele desde que largou a vida enfadonha ao lado de seu pai, era o início de sua liberdade. Tinha inúmeros significados para ele.
Michael se intalara ali, onde criava diversos animais e recebia as pessoas mais queridas.
-Exatamente. - Eu disse. -O dono desse rancho está viajando, mas contratou-me para organizar o lugar para a sua chegada. E se souber que entrou aqui pode se tornar até... Violento.
Michael riu. Ele era o homem mais doce e brando que conhecia. Mas eu, a desconhecida, sem saber falava dele mesmo como se fosse um cachorro louco.
-Bem, ele não está aqui agora, está? Brincou Michael, aproveitando-se da minha inocência.
-Não.
-Então como somos só nós dois e estamos nos tornando grandes amigos... Poderia me dizer se tem o hábito de nadar nua?
-E você? Costuma espionar mulheres despidas?
-Sempre que posso.
O encarei com olhar severo. Depois me abaixei, o que fez Michael pensar que estava cansada de bater os pés na água para me manter à tona.
-Não fala como se tivesse alguma vergonha.
Michael sorriu, mas o sorriso não chegou a afetar meus olhos.
-Moça, se eu não aproveitasse uma oportunidade de ver uma mulher nua, então, sim, teria motivos para sentir vergonha.
-Sua mãe deve estar orgulhosa.
Ele riu. -Provavelmente não, mas o velho teria ficado.
Olhei em volta, e Michael sabia o que me incomodava. O vazio. Com exceção dos carvalhos em torno do lago, estávamos sozinhos.
Escute, já teve seu espetáculo. Está frio e eu estou cansada. Gostaria de sair daqui.
-E quem está impedindo?
-Não vou sair da água com você ai parado, me espionando!
Algo que podia ser culpa incomodou uma consciência que já estava atribulada demais. Mas ele ignorou o sentimento. Sim devia olhar em outra direção. Sabia disso. Mas um homem faminto recusaria um filé por saber que era roubado?
-Vire-se- Sugeri um momento depois. -Será o suficiente.
Michael sorriu.
-Se eu me virar, como poderei saber que não vai bater na minha cabeça com alguma coisa?
-Pareço estar carregando uma arma?
Ele encolheu os ombros:
-Cautela nunca é demais.
Assenti, deixei-me afundar até a água atingir meu queixo, e resmunguei:
-Perfeito. Eu estou sem roupa, e é você que se sente ameaçado.
O vento soprou de repente, agitando a superfície da água. Era como se estivéssemos cercados por dezenas de pessoas sussurrando seus segredos. Eu estremeci e afundei um pouco mais. A culpa voltou a se fazer presente na consciência de Michel.
Ele olhou para cima, para o céu estrelado, antes de encarar-me novamente.
-A noite é linda. Talvez acampe aqui hoje.
-Não faria isso.
-Não? –Divertindo-se com a situação, ele fingiu considerar a possibilidade.
-Talvez não. Mas a questão permanece. Vai sair do lago, ou prefere dormi aí, mexendo os pés para não se afogar?
-Vou sair. - Decidi furiosa, batendo com uma das mãos na água.
-Mal posso esperar.
-Talvez não saiba, mas é um canalha.
-Já ouvi isso antes.
-Surpreendente!
-Ainda está na água. – Michael pôs as mãos nos bolsos traseiros do jeans. – Deve estar com muito frio.
-Sim, mas...
-Já disse que não vou sair daqui.
Olhei em volta mais uma vez, como se procurasse ver uma cavalaria correndo em meu socorro.
-Como posso saber que não vai me atacar assim que eu sair do lago? –Perguntei apreensiva.
-Eu poderia dar minha palavra, mas, como você não me conhece, ela não teria valor.
O estudei por um instante, despertando nele a sombria sensação de que podia enxergar mais do seu rosto escondido embaixo do moletom, e acabar com a sua brincadeira. Porém depois de mais um instante, eu disse:
-Se me der sua palavra acreditarei em você.
Michael retirou uma das mãos do bolso e massageou a nuca, franzindo a testa. Uma bela invasora nua confiava nele. Ótimo.
-Muito bem. Você tem minha palavra.
Assenti, mas ainda levou um ou dois minutos para começar a me mover em direção da margem. Algo dentro dele ganhou vida. Antecipação? Excitação? Há muito tempo não experimentava uma ou outra, razão pela qual não tinha certeza. Mas o momento passou tão depressa, que ele não conseguiu explorá-lo ou aproveitá-lo como queria.
O luar cintilou sobre minha pele molhada e dourada, enquanto eu saía da água e subia pela pequena encosta até onde estavam minhas roupas em uma pilha organizada. Ele me observou e sentiu uma necessidade quente e pulsante, um impulso forte o bastante para chocá-lo.
Eu era esguia, não muito alta, 1,68 mais ou menos, com seios pequenos e firmes, quadril estreito e tinha marcas de sol, que sugeria que nadar nua não fazia parte de meus hábitos. Devia se sentir grato por testemunhar ocasião tão rara. Aquelas marcas de bronzeado tornavam minha pele ainda mais excitante. Minúsculas porções de pele pálida contra o marrom do bronze tentavam um homem a definir os limites daquelas linhas.
O desejo o inundava como uma onda gigantesca.
Eu estava mágica ao luar, e só com grande esforço Michael sufocou o ímpeto de tomar-me nos braços. Era como ver uma sereia sair do mar, uma visão fugaz, mas tentadora.
-Você é impressionante.
Eu hesitei, mas ergui o queixo e mantive altiva, orgulhosa, sem constrangimento ou insegurança. Michael sabia que devia se sentir culpado por estar espionando, tirando proveito da situação.
Mas não sentia nenhuma culpa.
Em segundos, vesti a camiseta e a saia de algodão, que me cobriu até a altura dos joelhos. Depois abaixando-me calcei as sandálias.
Maldição. Precisava desculpar-se e revela quem era de fato.
-Escute- Ele disse de repente- Eu sinto muito se a incomodei, mas sua presença me surpreendeu e...
Eu o atingi com um soco no estômago.
Não doeu muito, mas, como estava despreparado, Michael ficou sem ar.
-Eu o surpreendi? - Juntei os cabelos e os torci para remover o excesso de água, jogando-os para trás em seguida.
Impressionante. Eu o chamei de impressionante. Não podia negar que senti algo quente e delicioso quando o vi ali parado, observando-me. Tinha sido como se pudesse experimentar o seu toque, não apenas o olhar. E, por um breve momento, desejei ser tocada por ele. Sentir as mãos desse homem sobre a minha pele molhada.
O que só me deixou ainda mais furiosa. Eu o encarei com desdém e depois ergui o queixo, então... Finalmente o reconheci.
-Seu miserável aproveitador, oportunista e... - Odiava ficar sem adjetivos antes de concluir a frase.
Respirando fundo, ergui os ombros e recolhi os fragmentos do meu próprio orgulho. Quase sofri um ataque cardíaco ao vê-lo em pé na margem do lago espionando minha nudez. Mas o medo inicial foi substituído pela raiva de ter sido enganada.
Vivia sozinha a tempo suficiente para ter desenvolvido uma espécie de radar que me informava quando corria perigo. E nenhum alarme interno disparava, apesar de ele não ter sido cavalheiro o bastante para deixar-me sozinha ou, pelo menos, virar de costas.
Agora sabia que não era estranho, nem tão pouco perigoso.
Não fisicamente.
Emocionalmente... Bem essa é uma outra história. Ele era alto, magro e muito atraente, o que já era preocupante, e ainda havia aquele brilho singular em seus olhos. Não só o fogo do desejo, que notei desde o início, mas a influência oculta de uma intensa tristeza, de um grande vazio. Me sentia sempre atraída pelos homens tristes. Com olhos tristes e corações solitários.
Mas depois de ter partido o próprio coração algumas vezes, decidi que em alguns casos, existem boas razões para que eles estejam sozinhos. Agora tudo o que eu tinha a fazer era me lembrar disso.
Continuei firme, encarando o homem que invadiu o meu mergulho noturno. Há alguns anos talvez tivesse corrido assustada, tentando desaparecer. Mas não hoje. Há alguns dias tudo mudara para mim. Encontrei um lar. Meu lugar agora era o rancho Neverland, e ninguém, nem mesmo este incidente, iria afugentar-me dali.
-Tem um golpe de direita invejável
-Vai sobreviver.
Passei por ele, caminhando em direção às árvores que marcavam o início da trilha que me levariam de volta à casa do rancho.
Ele me deteve, segurando meu braço. O contato provocou um arrepio. O sangue se tornou mais quente em minhas veias. Me liberei com um movimento brusco e recuei um passo, optando pela precaução.
-Ei, ei... – Michael ergueu as mãos em um gesto debochado de rendição. –Relaxe! Não vou fazer nada.
A descarga de adrenalina provocada pelo contato já se dissipava quando respondi:
-Não... Me toque. Se vai mesmo precisar dos meus serviços, é bom que fique bem longe.
- Tudo bem, não vai acontecer novamente.
Respirei fundo e tentei me acalmar. Não havia sido apenas a surpresa da mão em meu braço... O que me perturbou foi o calor provocado pelo contato, a rapidez com que essa onda se espalhou por meu corpo. Jamais havia sentido algo parecido, e não podia apreciar essa sensação. Ele era meu patrão. Melhor me afastar desse homem. E depressa.
CAP 2
Tudo desapareceu. Restava apenas uma onda de raiva que ameaçava sufocar-me. Sabia sim que Michael Jackson chagaria em um ou dois dias, mas não esperava que pudesse ir espionar-me em um momento de privacidade.
-Se eu soubesse quem é teria batido com mais força- Disparei.
- Nesse caso foi sorte não ter me apresentado antes.
-Então voltou para cuidar do bom e doce velhinho?
-Bom e doce velhinho? A garganta ecoou entre as árvores. –Joe é um maluco de coração duro e modos detestáveis!
-Ele parece doce. É generoso. E é solitário. A família não se dar ao trabalho de vir vê-lo. E você parece ter sentido um pouco de vergonha, e mandou que o trouxessem para cá, mas está sempre ausente. Voltou apenas certificar-se que está bem, seria um peso na consciência se morresse aqui sozinho, não é mesmo?- Disse com uma nova onda de fúria invadindo-me, e eu o encarei.
-Afinal quem pensa que é? Não conhece minha família, meu passado e nem... Joe?!
-Sou Cris Rayan- Apresentei-me -Sua nova governanta.
-Bem, Cris Rayan, o fato de ter vindo cuidar da casa não significa que sabe tudo.
-E não sei mesmo! Apenas vi apenas um homem sozinho, quando cheguei aqui a quinze dias. Sei também que teve que contar com uma estranha para desfrutar de alguma companhia.
Michael passou uma das mãos pelos longos cabelos negros, desviou os olhos e contou lentamente até dez. Quando encarou-me novamente, a raiva já havia passado. Seus olhos eram escuros e sombrios.
-Você tem razão.
Eu não esperava este tipo de atitude, e por isso levei um tempo para reagir. Inclinando a cabeça para um lado, eu o estudei.
-Só isso? Eu tenho razão?
- Até certo ponto- Michael admitiu em voz baixa, como se, assim, pudesse envolver-nos em uma espécie de retiro insular. –É... Complicado- Disse finalmente.
E pensar que cheguei a me surpreender, a sentir uma modesta dose de compaixão pela versão que o sujeito poderia ter dos fatos. Desapontada, balancei a cabeça.
-Não, não é. Ele é seu pai e o ama. Mas você o ignora.
-Você não entende.
-Tem razão.
Cruzei os braços sobre o peito, e batendo com um dos pés no chão, esperei. Percebi que a situação o deixava vulnerável, queria me vingar.
Os olhos de Michael ficaram mais estreitos, desconfiados.
-Não tenho que lhe dar explicações, Cris Rayan, portanto não perca tempo esperando por elas.
Não, ele não tinha mesmo que se explicar. Ele era o patrão, poderia me despedir a qualquer momento. Mas, de repente precisava entendê-lo. Era incapaz de compreender como alguém com um lar, uma família, podia ignorá-los deliberadamente.
-Certo reconheço que não me deve nada, mas, certamente, tem algumas dívidas com o seu pai.
A ruga na testa de Michael ia tornando-se mais funda.
-Estou aqui não estou?
-Finalmente. Já esteve com ele?
-Não- Michael admitiu, enfiando as mãos nos bolsos e olhando para o lago. -Ainda não. Antes tive que vir aqui e ver o que estava acontecendo. Percebi o movimento, então...
E assim, sem motivo aparente, meu coração ficou apertado. Não sabia o que via ao olhar tão triste para o lago. Não sabia no que estava pensando. Não sabia de fato o que o atormentava. O que o separou de seu pai.
-Desculpe- Pedi, desejando poder tirar pelo menos algumas das palavras ríspidas que disse- Sei que algo deve ter acontecido para que o trate assim, mas...
Ele me silenciou com o olhar.
- Não sabe- respondeu secamente. –Não pode saber. Escute, porque não volta para casa e diz para meu pai que logo estarei lá?
Michael caminhou para a margem do lago e ficou ali parado, olhando a superfície pláscida e escura. Sua dor era palpável, nítida, e eu me retrai. Não queria sentir pena dele. Não queria dar a esse homem o benefício da dúvida. Mesmo que tivesse boas razões para evitar Joe, essas mesmas razões não justificavam a maneira como ele evitava o homem que tanto o amava.
A piedade se dissipou e eu o deixei ali sozinho na escuridão.
Joe só teve tempo de esconder sob cobertor o sangrento conto de terror que lia, antes de eu abrir a porta depois de uma leve batida. Ver a menina que passara a considerar como uma filha, o fez sorrir por dentro. Meus cabelos estavam molhados, desenhando uma mancha escura na camiseta. A saia rodada e longa estava amarrotada e suja, cheia de folhas, de grama e terra, e a sandália rangia por conta da água acumulada no couro.
-Esteve no lago novamente, não é?- Joe perguntou.
Aproximei-me da cama e ajeitei o cobertor que o mantinham aquecido.
Sorri, mas não consegui disfarçar aquela estranha sombra em meu olhar.
-O que aconteceu, Cris? Não se sente bem?
-Estou muito bem- Respondi, pegando uma jarra vazia sobre o criado-mudo e levei-a para o banheiro da suíte para enchê-la com água fresca.- Conheci seu filho. Só isso. - Revelei, voltando ao quarto com a jarra em uma das mãos.
Joe sentiu o coração bater mais depressa, mas lembrou-se em tempo de que agora era um homem às portas da morte.
- Michael! Ah... -Ele sorriu. –Bem, onde está ele? Não voltou para casa com você?
Troquei a luz do abajur pela luminária noturna. Imediatamente o quarto mergulhou em uma relaxante penumbra que convidava ao descanso.
-Ele disse que queria ficar no lago por algum tempo.
Joe sentiu uma pontada de dor no coração e soube que esta era apenas uma sombra da dor que seu filho devia estar enfrentando no momento. Mas, maldição, depois de tanto tempo já era hora dos irmãos Jackson enterrarem o passado e retomarem suas vidas longe desses fantasmas. E se tinha de mentir para conseguir hospedar-se no rancho Neverland, para forçar uma aproximação, bem, não se envergonhava disso. Era uma mentira justificada por excelentes motivos.
-Como ele está?
Arrumei o travesseiro, depois ergui o corpo, pus as mãos na cintura e respondi com ar pensativo:
-Sozinho. Francamente, ele tem um ar... Acho que nunca conheci homem mais solitário.
-Entendo. Suspirando, Joe se ajeitou sobre o travesseiro. Devia se sentir culpado por ter enganado o filho, e assim tê-lo atraído, fazendo-o cancelar uma turnê importante. Mas não sentia culpa. Se um velho não tinha o direito de ser ardiloso, então, de que servia a velhice?
-Não vai ser fácil. Com nenhum deles. Mas são homens fortes, cheios de recursos. Vão superar tudo isso.
Terminei de arrumar o cobertor e, satisfeita, beijei a testa de Joe.
-Não é com eles que me preocupo- Disse.
-Você é uma boa menina, Cris. Mas não precisa se preocupar. Vou ficar bem.
Michael entrou na casa sem fazer barulho, esperando que o “guarda-costas” do velho Joe saltasse da sombra, rosnando e mostrando os dentes. Porém, ao constatar que não havia nenhum sinal de minha presença, ele se rendeu ao inevitável e olhou em volta, estudando o lugar que adorava.
Duas lâmpadas estavam acesas, espalhando uma luminosidade pálida pela sala que ele seria capaz de percorrer com os olhos vendados. Nada mudara, desde que esteve fora há oito meses. Piso de tábua de carvalho, tapetes por toda parte, poltronas de couro arranjadas em um quadrado perfeito em torno de uma mesa baixa, onde havia um vaso com rosas amarelas. O velho piano, objeto de ciúmes, continuava lá no canto da sala, intocável.
Devia ser obra do guarda-costas, ele pensou, sabendo que Joe jamais colheria flores frescas para enfeitar a casa. O meu rosto surgiu em sua mente, mas desapareceu assim que ele olhou em volta mais uma vez.
Uma lareira alta e larga o bastante para acomodar um homem em pé e dominava uma das paredes, e o fogo ainda ardia alaranjado atrás de uma grade de ferro. As paredes eram adornadas por fotos de família e paisagens pintadas por mãos talentosas.
Michael relutava para encontrar Joe e seus fantasmas. Precisava engolir o sofrimento em pequenos goles para não sufocar. Mas havia decidido ajudar o pai, que estava doente e não tinha mais ninguém nessa vida.
Deixando a mala logo além da porta da entrada, Michael caminhou para a escada no outro extremo da sala. Cada degrau era uma tora de madeira cerrada ao meio e polida até atingir um brilho impecável. Os corrimãos lembravam troncos de árvores petrificados, e suas mãos deslizavam pela superfície fria enquanto ele subia para o andar onde ficavam os quartos.
Os passos ecoavam as batidas lentas do seu coração, cada movimento o levava para mais perto das lembranças que não queria encontrar. Mas não havia possibilidade de volta. Não podia mais evitar o confronto.
No alto da escada, ele parou e olhou para o corredor. Tudo o que via era uma sequência de portas fechadas, mas conhecia os espaços atrás daquelas portas, tanto quanto reconhecia o próprio reflexo no espelho.
Ele vivia ali, cada vez que tinha folgas do trabalho, aproveitava cada lugar, cada canto, aquele era o seu lar. Muitas vezes, subia e descia a escada correndo e gritando com seus poucos amigos, como crianças aproveitando a infância que não tivera, tudo por causa de...
Michael baniu da mente as recordações como teria afastado um mosquito de seus olhos e seguiu para a porta mais próxima da escada. O quarto onde estava hospedado Joe, o homem que havia roubado sua infância, estava ali, vulnerável, e agora em suas mãos. Totalmente dependente.
Uma onda de vergonha o assaltou e ele pensou que eu ficaria muito orgulhosa se soubesse disso. Sobre uma coisa eu estava certa: Não podia ter passado tanto tempo longe do velho. Devia ter encontrado uma solução, um meio de conversar, perdoá-lo, apesar do sofrimento que causou.
Mas não foi o que fez.
Em vez disso, o puniu por todo esse tempo.
Ele bateu na porta e esperou.
-Michael?
A voz estava mais fraca do que imaginava, mas ainda era familiar. Aparentemente a dublê de governanta e guarda-costas já o informara de sua chegada. Michael abriu a porta e sentiu o coração acelerar. Ainda sentia medo.
Joe Jackson. O homem mais forte que conhecera, agora parecia um... Velho. Boa parte de seus cabelos já havia caído, e a cabeça bronzeada brilhava à luz pálida da luminária, ou de um halo de fios finos e grisalhos que ainda a emodulrava. As linhas que sempre definiram o rosto determinado eram mais profundas agora, transformando os traços. Ele parecia pequeno na cama larga, aquecido por um dos cobertores que sua ex-mulher, Kate, fizera décadas atrás.
O pesar era como um golpe físico castigando seu peito. Muito tempo havia passado. E nesse momento chocante do reencontro, ele lamentou todos os anos que ficara afastado do homem, que apesar de tudo, ele amava. Por alguma razão, não esperava que Joe pudesse estar diferente. Apesar do telefonema que recebeu do médico anunciando que seu pai não tinha muito tempo de vida, Michael imaginava encontrar ali o homem tal como o deixara em sua mansão em Las Vegas, há cinco anos.
-Olá- Ele o cumprimentou com um sorriso forçado.
-Entre, entre- Joe o convidou, acenando com uma evidente fraqueza. Em seguida bateu na beirada da cama. – Sente-se, rapaz. Deixe-me olhar para você.
Michael aceitou o convite e, mais próximo, aproveitou para examinar rapidamente a aparência geral do pai. Estava mais magro, sem dúvida, mas o olhar era claro e atento. O bronzeado já não tinha o viço de antes, mas não apresentava aquela palidez impressionante típica dos enfermos. Suas mãos eram magras, retorcidas, mas não tremiam.
-Como se sente?- Michael perguntou, tocando a testa marcada por numerosas rugas.
Joe empurrou a mão dele.
-Bem. Estou bem. E já tenho um médico para me interrogar, cutucar e importunar. Não preciso do meu filho fazendo a mesma coisa.
-Desculpe.
Michael apenas queria verificar pessoalmente em que estado se encontrava o pai.
Mas aparentemente, não seria fácil. - Falei com o dr. Evans depois da nossa conversa no mês passado. Ele diz que o seu coração está em má forma.
Joe fez uma careta de desdém.
-Médicos... Não dê muita atenção ao que dizem.
Michael sorriu.
Ele então levantou-se e colocou as mãos no bolso, não queria que o velho visse no encontro um significado maior do que ele realmente possuía. Receava que mesmo depois de recuperado ele pedisse para ficar no rancho, e que contasse com uma resposta afirmativa. E Michael não podia dizer sim. Não queria que ele ficasse.
Mas seu pai não notava o desconforto que causava, ou não se incomodava com isso. Continuava falando e, com cada palavra, alimentava a culpa que o atormentava.
-Pai você não veio para ficar - Michael anunciou sem rodeios. Não queria magoar o pai, mas também não podia alimentar falsas esperanças.
A culpa cresceu um pouco mais quando ele viu o brilho se apagar dos olhos do velho. - Você veio para passar o verão, até que se recupere- Prosseguiu tentando ajudá-lo a entender como havia sido difícil largar os shows para passar essa temporada com ele. - Mas quando o outono chegar preciso trabalhar e você precisa ir embora.
- Pensei... Joe deixou a cabeça cair sobre o travesseiro. - Pensei que pudéssemos ser amigos.
A dor o incomodava como ondas sucessivas que, lentamente, iam preenchendo todos os espaços. Se as coisas tivessem sido diferentes, faria tudo para que ele vivesse ali, ou melhor, nunca teria largado a casa de seus pais, mas precisava se libertar de alguma forma, ser independente.
-Sinto muito - Disse, consciente de que não era o bastante para Joe, mas que era tudo que ele tinha a oferecer.
O velho o encarou por algum tempo antes de fechar os olhos e emitir um suspiro cansado.
-O verão é longo, meu rapaz. Muita coisa pode acontecer.
-Não faça planos para mim Joe, como sempre fizera a vida inteira- Michael o preveniu, mesmo lamentando causar mais dor ao velho. –Não vai ficar. Não pode. E você sabe o porque.
-Sei o motivo de pensar assim. E sei que está errado. Todos vocês estão. Tudo que fiz foi para que vocês encontrassem seus caminhos. E um homem precisa encontrar o seu - Ele se ajeitou sob o cobertor.
- Estou cansado, Michael. Por que não vem me ver amanhã? Então conversaremos mais.
-Joe...
-Vá, por favor. Estarei bem aqui amanhã.
-Quando o pai fechou os olhos, encerrando efetivamente a conversa, Michael não teve escolha. Saiu sem fazer barulho. Estava na casa a menos de quinze minutos e já havia perturbado um homem idoso e com um coração enfermo.
Maravilha!
Mas não podia deixar seu pai contar com uma permanência definitiva. Não era certo fazer a Joe promessa de um futuro, se o passado era tão intenso que o impedia de viver o presente.
Habituara-se a conviver com as lembranças que o atormentavam. Mas nunca seria capaz de viver com Joe novamente... Com o homem que o fazia ver um fantasma em cada canto.
continuaaa....